Múltiplos

                                                                                 
Os dois se olhavam. Eram 10h e 25 da manhã.
Ele pegou nas mãos dela e a olhou carinhosamente. Gostaria que aquele momento não findasse jamais. Olhou em volta e decidiu que não existia melhor segundo para se iniciar um beijo. Inclinou seu corpo na direção do corpo dela. Sentiu o perfume doce, cabelo macio, pele sensível. E antes que o tempo passasse, eles o interromperam.

Os dois se olhavam. Eram 10h e 25 da manhã.
O calor de um dia de verão somado ao momento de entrega os faziam transpirar, comovidos com a vontade de serem. O menino sentiu seu coração pulsar constantemente com ritmo. Sentiu que a sua vida agora tinha trilha sonora. E com vontade de beijá-la, ele começou a cantar.

Os dois se olhavam. Eram 10h e 25 da manhã.
Eles esperaram um longo tempo por aqueles únicos segundos.  O mar nos olhos dela, aquele azul tão sereno, não serviria para um beijo. Seria vulgar demais. Ele limitou a sua expressão a tocar no rosto dela, colocar seu cabelo para trás da orelha, e lhe dar um beijo na testa.

Os dois se olhavam. Eram 10h e 25 da manhã.
Ela lhe disse que nunca havia feito isso. Ela tinha medo. O primeiro beijo envolve ar e coração. Ele pediu para que ela se lembrasse de algo que tinha saudade. Suas tardes de infância, as brincadeiras na casa da avó; sua nostalgia agora, era fotografia para o beijo dos dois.

Os dois se olhavam. Eram 10h e 25 da manhã.
Ele fechou os olhos por alguns segundos. Queria dizer algo que não caberia em palavras. Fitou os detalhes que preenchiam a imagem dela: os brincos verdes, que ele tanto gostava, o azul dos olhos dela. Aquela paisagem plena de céus e verdes que, no meio da selva de pedra, ele só veria nela.  Decidiu não quebrar o silêncio. Afinal, o beijo tem som.

Os dois se olhavam. Eram 10h e 25 da manhã.
Eles não precisavam. Sabiam que o beijo não era suficiente. Eles já possuíam o completo. Dentro de si um ao outro, e isso era o todo. Sem beijo, sem contato físico. Mas eles queriam. Aproximaram-se o quanto deveriam, impulsionaram os sorrisos ao encontro e se entregaram, inteiros.
           
Os dois se olhavam. Eram 10h e 25 da manhã.
Ele chegou perto. Conseguia sentir o respirar suave com que ela falava. Ele não vivera o suficiente. Sabia disso e queria experimentar o quanto podia. Experimentar todo este sentimento que tanto o confundia e, pela primeira vez, o deixava sem ação. Ele sentiu. Sentiu e saiu correndo o mais rápido que podia. Correu até a mesa, pegou o papel e o lápis, e desatou a escrever.
                                                                                             
Os momentos foram e serão até que se diga não à vida.












Do Mau tempo

No meu dia pior 

O sol se pôs do mesmo lado.

Sem cigarro, como ele.

No fundo se
do que eu fumasse,
inalasse o sabor
da duração do filtro, tal
como uma vida, que a minha
a durar
não muito mais que o objeto.
não muito mais que dejetos.
será, eu a vida como o filtro com chama, depois pó.

Vistam-se

Essas páginas vistas aí são escritas não de tinta, e sim suor.
Surrada de verbo.
não é o elo que a fez perder a cor.
Se há falta em algo, façam por a ler.
se há fome de fato
é de não vida.
E se eu a quero mostrar, essa chuva podre que é a lembrança de um beijo de judas servida pelo seu leito de amor, é porque eu a amo, de fato e de foto.

Posso a posse?


essa menina,
que eu penso
que se é tão perto
e não é sina
não poderia, além do sonho, ser minha.

Mexe


Do pé ao palco pela dor
Da fé ao talo de uma flor
Enquanto você dançar, o mundo e o pé, a mão e o amor:
Será tudo movimento.

outsônia


Qualquer meio em que se durma ou vive é
fora de si.
buscando conforto,
 consolo, apoiado torto,
dito abraço do mundo.
Balanço,
o giro infernal de uma mente que não pode
descansar enquanto há/a vida
transtorna e transforma
o que dentro surge
e o corpo lá fora
tentando matar
o cansar, suado de tanto lutar
com a própria cama.